segunda-feira, 20 de outubro de 2008

West And Soda



Desde a criação do cinema no final do século 19, a conquista do Oeste Americano, período de 1860 a 1890, foi retratada com muita veemência nas telas. O sucesso do gênero conhecido como faroeste, ou Western, perdurou fortemente até o final dos anos 50, porém, na década seguinte os americanos já não se empolgavam tanto com a idéia. O que fez declinar sensivelmente o número de produções.

Todavia em meados da década de 60, na Europa, cineastas italianos, principalmente, além de espanhóis e alemães, resolveram continuar investindo no gênero. Para tanto, “importaram” atores americanos, muitos deles pouco conhecidos na época, como Clint Eastwood e Lee Van Cleef. Na maioria das vezes os filmes eram rodados na Espanha devido a semelhança com o Oeste Americano. Assim estava criado o faroeste-espaguete, ou western-spaguetti, cujo sucesso mundial ressuscitou o gênero faroeste. Dentre as principais produções, destacam-se a trilogia do diretor Sérgio Leone: Por um punhado de dólares (1964), Por uns dólares a mais (1965) e Três homens em conflito [ou O bom, o mau e o feio] (1966), este considerado por muitos o melhor filme do gênero e Django (1966), de Sergio Corbucci.

Foi neste ambiente que em 1965 o animador italiano Bruno Bozzetto (nascido em 03/03/1938) lançou West And Soda, seu primeiro longa-metragem em animação. O desenho consegue satirizar e homenagear os faroestes americanos. Lá estão todos os elementos básicos: o mocinho, a mocinha, o bandido, os índios, a disputa por terras e pelo amor da mocinha. Com poucos recursos, o premiado autor Bruno Bozzetto conseguiu realizar uma obra-prima cultuada em todo mundo. No vídeo de abertura deste post você vê a cena do duelo entre o mocinho e os bandidos.

O desenho chegou a ser exibido na televisão brasileira (Sessão da Tarde), porém há muitos anos não reprisa. Ainda hoje com todas as facilidades de DVDs e TVs à cabo, o filme ainda se encontra pouco acessível no Brasil, estando somente disponível em DVD importado (em italiano) ou baixando da internet. Inclusive já postei as legendas em inglês no site Legendas.tv para que uma boa alma se habilite a traduzir e disponibilizar para mais pessoas que não conhecem o filme ou não sabem italiano ou inglês.

Quanto ao animador Bozzetto vale destacar seu grande talento e capacidade de se adaptar aos novos tempos e meios de comunicação. Desde 1999 vem ganhando vários prêmios com suas animações no formato flash voltadas para a internet. Abaixo alguns links destes trabalhos:


Saiba mais sobre:


Filmografia completa de Bozzetto

Outras produções de Bozzeto em flash

Faroeste-Espaguete


quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A Força do Destino - Paródia dos Simpsons



Início dos anos 80, mais precisamente 1982, Richard Gere então com 33 anos vinha de um grande sucesso, Gigolô Americano (EUA, 1980), quando estrelou o filme A Força do Destino (An Officer and a Gentleman, EUA, 1982), onde interpretava um malandro criado nas ruas que decidiu transformar-se num oficial. Para conseguir fazer o curso de piloto de jatos, com duração de 6 anos, deveria passar por 13 semanas de intensivos testes, sob as ordens do durão Sargento Foleuy (Louis Gossett, Jr., ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante). Durante o curso conhece Paula (Debra Winger), uma garota que trabalha numa indústria local. Enfim, um roteiro que não foge ao trivial, porém, o filme foi um enorme sucesso que alavancou a carreira de Gere, que passou ao grupo de estrelas de primeira grandeza do cinema. O motivo para o sucesso do filme talvez possa ser explicado pelas excelentes atuações dos artistas envolvidos com a produção. Grandes atuações à parte, a cena que marcou o filme foi a chegada de Gere ao local onde sua amada trabalhava. Ele vestido de Oficial adentra à fábrica, pega a mocinha no colo, sob os olhares dos demais funcionários e tem uma saída triunfal. Isto tudo acontece tendo ao fundo a romântica música Up Where We Belong (Oscar de melhor canção).

Em 1990 no seriado Os Simpsons, episódio Uma Vida Turbulenta, Margie Simpson tem mais uma decepção com o marido Homer, que lhe dá uma bola de boliche (!) de presente de aniversário. Chateada, ela resolve não devolver a bola a ele, como ele esperava, mas sim aprender a jogar. O professor de boliche é um galanteador, que se aproveita do momento de fraqueza de Margie. Em determinado momento eles combinam um encontro em um hotel. Ao se dirigir para o local, ela passa por uma bifurcação na estrada. Um caminho leva para o hotel e o outro para a usina onde seu marido Homer trabalha. Ela opta pelo marido e vai até ele, imitando assim a famosa cena de Richard Gere, inclusive com a música tema.

A produção dos Simpsons caprichou nos detalhes a fim de que o resultado final ficasse o mais próximo possível do original, contudo, em se tratando dos Simpsons o humor escrachado não poderia faltar. Na cena original uma colega da protagonista se emociona e bate palmas dizendo “É isso aí Paula, é isso aí”. Já no episódio dos Simpsons, Lenny, o amigo do Homer repete “É isso aí Homer, é isso aí”, ao fundo um equipamento, que antes indicava “Okay” (tudo certo) mudou para “Danger” (perigo). Não esqueçamos que a cena acontece numa usina atômica... Outro detalhe acrescentado pelo seriado é um supervisor que pergunta ao Homer: “O que digo ao patrão?”, ao que ele responde: “Diga a ele que vou para o banco detrás do meu carro, com a mulher que eu amo e vou ficar lá uns dez minutos, no mínimo...”

Sempre esperei que alguém disponibilizasse as duas cenas em conjunto, mas isto nunca aconteceu. Assim, perdi algumas horas de sono para montar o vídeo acima e colocá-lo no YouTube e neste post.

Divirtam-se.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A Ignorância ao Alcance de Todos


Transcorria o ano de 2006. Nesta época eu trabalhava na maravilhosa cidade de Guarapari/ES. O tempo extra após o corrido almoço era utilizado em eventuais caminhadas na Praia das Castanheiras. Outra ótima opção era percorrer alguns sebos próximos ao centro da cidade. Eram dois imensos prazeres.

Com pouco investimento é possível sair destes sebos com obras sensacionais, ou não. O fato é que num dia feliz encontrei um livro com o curioso título: A Ignorância ao Alcance de Todos – Cartilha de Analfabetização Sem Mestre, escrito por Nestor de Holanda e publicado em 1962 pela Editora Letras e Artes.

Considerando-se que naquele dia meu tempo estava esgotado, não tive muito tempo para folhear o livro e descobrir o que pretendia o autor, que aliás eu desconhecia. Porém o baixo investimento demandado, cinco Reais, me pareceu valer à pena correr o risco de fazer um mau negócio. Assim, optei pela compra.

O livro é um grande registro social do início da década de 60. Um período de elevada efervescência cultural e política. O autor, de forma sarcástica propõe a Campanha Nacional de Analfabetização com o objetivo de “luta tenaz contra os que não são analfabetizados, para preservação desse fabuloso ‘status’ social.” Com inteligentes comentários sobre a língua portuguesa o autor vai contando suas histórias sobre as personalidades daquela época. Abaixo alguns trechos da obra:
  • “Quando Leonardo Vilar regressou da França, depois da estrondosa vitória de ‘O Pagador de Promessas’, em Cannes, um vespertino carioca o chamou, em título, na primeira página, ‘protagonista principal’. Mostrei a notícia a um crítico de cinema. E ele:
    - Ainda não assisti ao filme extraído da peça de Dias Gomes. Por isso, não sei se o Vilar é mesmo o protagonista principal."
  • “O meio mais prático de escrever certo e de modo claro é fugir dos gramáticos. E se puder acrescentar a isso algum talento de não dizer coisa com coisa, melhor, pois ganhará fama, popularidade, dinheiro.
    Aí está Ibrahim, o gênio da Analfa. Um dia deu notícia sobre a casa em que nasceu Ruy Barbosa, em Petrópolis. Outro dia, ao visitar, na Inglaterra, o Castelo de Windsor, falou em manuscritos datilografados. Isso é perfeição. Técnica muita.”
  • “Porque a melhor forma de qualquer um manter-se isento de impostos ainda é não pensar no que os outros dizem de nós. Os leitores riem, mas vamos vivendo, enriquecendo.
    E esta forma consiste em acreditar no princípio de Moro-Giafferi:
    ‘Prezado senhor, a metade dos leitores que viram este jornal não viu este artigo; a metade dos que viram o artigo não o leu. A metade dos que o leram não o compreendeu. A metade dos que o entenderam não acreditou. E a metade dos que acreditaram não tem importância’.”
  • “Nos bancos, os homens que assinam cheques todos os dias usam, hum, treis, cincoenta, catorze e outras grafias que podem parecer flaviocavalcantismos.
    Têm medo de que, antes de um, escrevam ‘cento e’, ‘quinhentos e’ ou ‘mil e’.”
    [...]
    “Mostra que há dois caminhos na vida: saber gramática ou ter dinheiro no banco. Aconselho o último. Porque ainda não houve erro de português que impedisse um cheque de ser pago.”
  • “Há os que defendem a crase nos casos de ambigüidade.
    Exemplo de ambigüidade: uma briga entre Luz Del Fuego e qualquer de suas cobras.
    - Quem venceu? – pergunta um torcedor.
    - Ela.
    - Qual das duas?
    - ‘Matou à mulher a cobra’.
    Entende-se que a jibóia ganhou de Luz Del fuego. Mas a mesma resposta, mudando a crase, toma outro sentido:
    - Quem venceu?
    - Ela.
    - Qual das duas?
    - ‘Matou a mulher à cobra’.”
  • Sobre Roquete-Pinto: “Quando diretor da antiga Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, ouvia, certa noite, o saudoso Francisco Alves cantar:
    - ‘Eu quero uma mulher bem nua, bem nua’ etc.
    Telefonou para a emissora e mandou suspender o programa.
    No dia seguinte, o seresteiro foi falar com ele:
    - Dr. Roquete, estou meio aborrecido, porque o senhor cortou minha audição.
    - Fui obrigado, Chico.
    Disse por quê:
    - Uma mulher bem nua todos nós queremos. Mas não se pode anunciar isso pelo rádio”.
  • “Outro cantor famoso é o Black-Out. O compositor Peterpã foi ensinar-lhe samba, cuja letra dizia:
    - ‘Com muita satisfação’ etc.
    Black-Out começou a cantar.
    - ‘Com muita sastifação’…
    - Não é sastifação, gritou o autor. É satisfação.
    Blackout se defendeu:
    - Ora essa, Peterpã! Comecei a aprender o samba agora e você já quer que eu saiba a letra?!”
  • Outra de Black-Out: “Teria ele de atuar num programa, a cuja estréia o anunciante iria comparecer. A letra de seu samba era:
    - ‘Olga!... Oh, Olga!...’ etc.
    No ensaio, Black-Out foi logo trocando as bolas:
    - ‘Orga!... Oh, Orga!...’
    Mario Brasini, diretor do programa, protestou:
    - Não é Orga, Black-Out. É Olga. Diga comigo: ‘Olga, Olga, Olga...’
    Ele treinou e acabou dizendo certo.
    Na hora da irradiação, Brasini estava preocupado, temendo que Black-Out repetisse o Orga diante do anunciante. Quanto a orquestra atacou:
    - ‘Olga!... Oh, Olga!...’
    Brasini respirou aliviado. Mas no verso seguinte:
    - ‘Estou de forga...’”
  • “Aqui é verdade, ficamos embasbacados com muitos idiomas estrangeiros. É conhecido, por exemplo, o episódio do alfaiate cearense que se instalou em Londres, com uma grande tabuleta na porta do estabelecimento: ‘Mr. Paiva’.
    Os fregueses só o chamavam ‘Peiva’.
    Ele trocou a tabuleta para ‘Peiva’.
    Os fregueses passaram a chamá-lo ‘Piva’.
    Ele mudou para ‘Piva’.
    E, aí, voltou a ser ‘Paiva’.”

Ainda que as citações sejam de personalidades da época, o que pode dificultar sua total compreensão pelo leitor mais jovem, o texto apresenta um humor brincalhão que ri de si mesmo e que vai além de seu tempo. Terminei o livro num fôlego só. Somente após o final da leitura busquei a internet para saber mais sobre o autor, aquela pessoa que tanto me fez rir de suas histórias e que tornara-se meu amigo. Porém as notícias não foram boas. Embora tenha sido um autor de sucesso de vendas, seus livros não estavam com edições disponíveis. E, principalmente, a pior de todas as notícias: o autor falecera em 1970, ou seja, há 36 anos.


Sei que é estranho explicar, mas baixou um clima de perda enorme. Tive a nítida sensação de que a morte de Nestor de Holanda tinha acontecido no dia anterior. Não me contive e entrei em contato, via e-mail, com um de seus filhos a quem declarei minha admiração pela obra de seu pai. Sem dúvidas ele entendeu o que eu estava sentindo. Inclusive me informou que a obra de seu pai estava em fase de digitação a fim de futuros relançamentos, o que seria o máximo.


E pensar que seu livro seguinte teve o título de “O Puxa-Saquismo ao Alcance de todos”...

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